Em 1964, nas FFAA, a imensa maioria de seus quadros era legalista, respeitando, incondicionalmente a Constituição. Goulart caiu por causa da estratégia e das táticas que adotou. Pretendeu implantar as reformas com ou sem o apoio do Congresso, “na lei ou na marra”, por meio da mobilização das massas com o apoio passivo das FFAA e o apoio ativo de um dispositivo militar que pensava haver implantado.
Da preocupação dos empresários com a infiltração comunista resultou uma série de encontros de empresários do Rio de Janeiro e de São Paulo. Da troca de ideias sobre as suas responsabilidades, surgiu, no final de novembro de 1961, o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES).
Passaram a integrar os quadros do IPES, profissionais liberais, militares da reserva, clérigos, funcionários públicos, etc. Com isto foi possível aperfeiçoar sua estrutura para estender sua ação a vários segmentos sociais. Criou-se um programa de treinamento de lideranças democráticas para homens de negócios, estudantes e operários.
Inúmeras outras organizações surgiram no ano de 1963, com objetivos semelhantes aos do IPES, algumas dispostas mesmo a ação revolucionária, se necessário. Um desses grupos, por exemplo, contatou Júlio Mesquita Filho, dono do jornal “o Estado de São Paulo”, que se tornou o seu chefe nacional, e que, em 1964, chegou a armar-se para participar diretamente da revolução.
Embora essas organizações não tivessem constituído um bloco ideológico e político monolítico, elas encontrariam unidade na situação pela qual passava o País e iriam influir decisivamente no movimento revolucionário.
Nos meios políticos, a oposição mais objetiva às esquerdas e ao Governo, decisiva mesmo para o êxito da Revolução, seria desempenhada pelos governadores, principalmente os de Minas Gerais, São Paulo e Guanabara.
Desde 1962, organizara-se, no Congresso, um bloco interpartidário denominado Ação Democrática Parlamentar (ADP), que se constituiu numa oposição atuante até a revolução. Contando com cerca de duzentos parlamentares.
Os mais influentes jornais e emissoras de rádio e televisão deram, desde o início, seu apoio às campanhas em defesa da democracia. É fácil deduzir quão importante foi essa atuação no preparo da opinião pública.
Em todos os segmentos onde o proselitismo esquerdista atuava houve reação. No meio sindical, eram realizados cursos para trabalhadores, dirigidos pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), organismo patrocinado por empresas privadas de São Paulo. O IBAD [Instituto Brasileiro de Ação Democrática] era outra entidade que atuava nesse meio.
A área educacional era onde as esquerdas haviam obtido seu maior êxito. Surgiram, então, entidades democráticas para atuar em oposição à UNE. Uma das mais importantes foi o Grupo de Ação Política (GAP) que atuava no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo.
Essas inúmeras entidades atestaram que a juventude não esteve omissa nos anos agitados que antecederam o 31 de março de 1964.
Desde 1954, existia, em São Paulo, o Movimento de Arregimentação feminina (MAF). O Marechal Cordeiro de Farias diria: “… a Revolução foi feita pelas mulheres brasileiras, principalmente as de Minas e São Paulo”.
Em 1963, mais de oitenta por cento dos militares continuavam com sua postura legalista. Dos restantes, aproximadamente a metade fazia parte do dispositivo janguista ou concordava com suas posições. Os da reserva, haviam começado a atuar desde a posse de Jango, ligando-se, orientando e participando das organizações civis mencionadas.
Em setembro, com o levante dos sargentos em Brasília, começou a haver uma mudança de posicionamento das FFAA.
No dia 4 de outubro, houve a tentativa frustrada da prisão do Governador da Guanabara e da decretação do Estado de Sítio. Os oficiais que se negaram a cumprir a ordem de prisão do Governador foram punidos. Sob o estímulo emocional dessas prisões, criou-se um grupo conspiratório. Liderado pelo então Coronel João Batista de Figueiredo.
Graças à confiança que esse grupo depositava no General Castello Branco, decidiram seus membros confiar suas apreensões ao Chefe do Estado Maior do Exército que integrou-se, de forma efetiva, ao esquema revolucionário.
Esse grupo elaborou um plano defensivo contra a tomada de poder pelas esquerdas: resistir e estimular a resistência civil; dar ânimo aos políticos a se oporem às proposições esquerdizantes; e preparar a resistência militar. Essa conspiração de cúpula não afetaria, ainda, a disposição da grande maioria dos militares, que se mantinha fiel à Constituição.
No comício do dia 13 de março, na Central do Brasil, promovido pelo Presidente Goulart, protegidos por tropas do Exército, estavam no palanque todas as facções do movimento revolucionário esquerdista. A partir desse momento, os conspiradores sabiam que o desfecho do golpe da esquerda estava próximo.
O Comício resultou numa mudança no posicionamento da imprensa. Os editoriais passaram a exigir diretamente que os militares assumissem a responsabilidade de resolver a crise.
Apesar dessa situação, a maioria militar não estava ainda convencida da necessidade de participar da revolução.
No dia 19 de março, dia de São José, Padroeiro da Família, as mulheres de São Paulo realizaram um protesto de rua contra o comício da Central do Brasil. Nesse dia, os cinemas não funcionaram, o comércio e a indústria suspenderam suas atividades às 15 horas. Às 16 horas, começava a primeira “Marcha da Família Com Deus pela Liberdade”.
Para os militares legalistas, a etapa decisiva seria o motim dos marinheiros e seu desfecho que abalaram as convicções até daqueles que até a véspera lutariam ao lado do Presidente e suas reformas. A revolução já poderia ser desencadeada sem que houvesse o risco da divisão interna das FFAA.
Quando, no dia 30 de março, João Goulart se dirigiu ao Automóvel Clube do Rio de Janeiro para falar a uma assembleia de sargentos, o desencadeamento da Revolução já estava decidido. O início do movimento foi marcado para a noite de 2 para 3 de abril.
Por razões diversas o movimento revolucionário foi antecipado em Minas Gerais. Na madrugada de 31 de março, as tropas ali sediadas começaram a marchar em direção ao Rio de janeiro. No encontro dessas forças com as do I Exército, que se deslocaram para barrá-las, não houve o primeiro tiro. Episódio semelhante ocorreria no ponto de encontro das tropas dos I e II Exércitos, no eixo Rio-São Paulo.
Pelo meio da tarde de quarta-feira, tudo estava terminado. Ruíra o dispositivo militar do Presidente, ninguém moveu ou esboçou resistência em defesa de Goulart, ou de suas reformas.
Depois de meses de tensão e de luta, os políticos brasileiros, liderados pela maioria dos governadores, podiam respirar aliviados, convictos do acerto das decisões tomadas.
Na madrugada de 2 de abril de 1964, o Presidente do Congresso Nacional declarava vaga a Presidência da República e convidava para assumi-la, imediatamente, o Presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili. Ao seguir-se o rito constitucional, restava a eleição, pelo Congresso Nacional, do Presidente e do Vice-Presidente da República, dentro de trinta dias.
A perplexidade dos primeiros dias deu margem a uma série de manobras políticas de grupos e de partidos que buscavam fazer o pêndulo do poder oscilar para o lado dos seus interesses.
O Comando Revolucionário desejava que o Congresso começasse por sua própria depuração, e que votasse uma legislação antissubversiva de emergência. Em vez disso, o Congresso tentou viabilizar um ato de emergência próprio. Esse procedimento provocou a pronta reação do Comando Revolucionário, que praticou seu primeiro ato realmente revolucionário, outorgando o Ato Institucional nº 1.
Por esse ato, o Congresso passava a ser uma projeção do processo revolucionário e não a sua origem.
Anunciado na tarde de 9 de abril, o Ato outorgava à Revolução poderes para a rápida transformação do País, mantendo o Legislativo, o Judiciário e a própria Constituição. Dava ao Presidente da República o poder de introduzir emendas constitucionais; abreviava o processo de elaboração dos atos legislativos; dava ao Executivo competência exclusiva em legislação financeira; suspendia, por seis meses, as garantias de vitaliciedade e estabilidade, permitindo, mediante investigação sumária, a demissão, a disponibilidade ou a aposentadoria dos que houvessem “tentado contra a segurança do País, o regime democrático e a probidade administrativa”; excluída a apreciação judicial, autorizava, também, nos seis meses seguintes, a suspensão de direitos pelo prazo de dez anos e a cassação de mandatos legislativos. Finalmente, o Ato institucionalizava o mecanismo de transferência do Poder Executivo, através do Colégio Eleitoral, encarregado de escolher indiretamente o Presidente da República.
“Fica, assim, bem claro que a revolução não procura legitimar-se através do Congresso. Este é que recebe desse Ato Institucional, resultante do exercício do Poder Constituinte inerente a todas as revoluções, a sua legalização”.(AI-1)
Na noite de 1º de abril, os principais Governadores que haviam apoiado a Revolução acordaram que o Chefe do Governo Revolucionário deveria ser um militar. Castello Branco foi eleito, com a quase unanimidade dos sufrágios, obtendo 361 dos 388 votos, e empossado em 15 de abril de 1964.
Entretanto, à medida que a Revolução se desenvolvia e sua estratégia ia sendo traçada, ela passava a desgostar indivíduos e grupos que, na não coincidência de rumos com suas próprias concepções e interesses, viam descaminhos revolucionários.
Antes da Revolução essa discussão não fora aprofundada, porque poderia tornar impossível a coligação que a tornou vitoriosa. Depois, apresentava o risco de provocar cisões irremediáveis nas forças revolucionárias e mesmo precipitar “um contra movimento executado pelas forças janguistas”.
Castello não queria que a Revolução fosse utilizada como instrumento de vinganças, de perseguições, e zelou, pessoalmente, por isso.
por Gen Bda Paulo Chagas
No final de julho de 64, o Congresso aprovou a emenda constitucional que prorrogava o mandato até 15 de março de 1967, marcando, ao mesmo tempo, a eleição presidencial para novembro de 1966. Castello, praticamente, foi obrigado a conformar-se. Quem não o fez, porém, foi o Governador Carlos Lacerda, que, se julgando prejudicado,abriu campanha contra o Governo revolucionário. Receptivos a essa pregação estariam setores que sofreram restrições impostas pela necessidade de contenção da anarquia e da desordem, nas relações sociais e na economia.
Já no dia da vitória, começaram as divergências quanto aos seus objetivos, prioridades, formas e modos de alcançá-los. O próprio restabelecimento da ordem e da tranquilidade nacionais, que era uma aspiração generalizada à qual se entregaria , nesse ano, o governo revolucionário, imporia a adoção de medidas que sacrificavam, na essência, o que era um dos objetivos prioritários da Revolução – a manutenção e o aperfeiçoamento do regime democrático.
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Ao fazer esta compilação do ORVIL, convido-os a conhecer e a entender a intervenção militar ocorrida no ambiente e na conjuntura de 1964, deixando à iniciativa e ao conhecimento de cada um a comparação e a equiparação com o que ocorre no ambiente e na conjuntura dos nossos dias, bem como a chegada às conclusões daí decorrentes.
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